Em recente estudo produzido pela PwC Brasil sobre os impactos que as propostas de reforma tributária terão na produção de medicamentos no país, pode-se observar que o cenário, já nada equilibrado, deve piorar
Atualmente o Brasil tem a mais alta carga tributária sobre o consumo de medicamentos do mundo, equivalente a 31,3% (média) do preço ao consumidor, enquanto a média mundial é de 6%. Em países como Estados Unidos, Méxi- co, Suécia, Colômbia, Canadá, Reino Unido e Venezuela essa tributação não existe. Isso se dá, essencialmente, pela diferen- te fonte de arrecadação desses países, que optam por focá-la na renda e não no consumo, principalmente de produtos consi- derados essenciais, como os medicamentos.
Outro motivo é o fato de o Brasil depender de insumos farmacológicos importados, já que faltam incentivos ao de- senvolvimento da biotecnologia no país, ainda mais quando se fala em remédios de alto custo.
Em conversa com Bruno Porto, sócio da PwC Brasil, é pos- sível entender alguns detalhes sobre o tema e também avaliar o que pode mudar com a chegada no novo governo.
Por que existe tamanha diferença em relação à tributação sobre medicamentos entre os países? Por que em alguns nem há essa tributação?
Há uma fonte de arrecadação advinda de outros produtos, principalmente, de renda, que é o foco dos outros países. Os Estados Unidos, por exemplo, têm uma matriz de arrecadação sobre renda muito mais forte que o Brasil. Em determinados países, se decidiu que produtos que afetam a saúde, consi- derados essenciais, não sofrerão tributação indireta [não há tributação sobre consumo]. As empresas e farmacêuticas con- tinuam pagando tributos sobre renda relevante, mas não so-
bre consumo. Ora, o tributo sobre consumo, invariavelmente, é passado ao preço, então, o impacto é na ponta, no paciente e consumidor. O que se nota é que esses países evoluíram e perceberam que não é inteligente tributar algo que melhora a saúde das pessoas e que traz mais longevidade, além de tirar a carga e a pressão sobre os sistemas públicos. Acredito que, no Brasil, chegaremos a este estágio, mas ainda precisamos evoluir em uma mudança paulatina de matriz de arrecadação de uma tributação do consumo para tributar a renda.
O estudo produzido pela PwC Brasil avaliou o impacto da medida na produção de medicamentos no país e o que se viu foi um cenário de mais incertezas?
O Brasil vai muito mal na produção de Insumo Farmacêutico Ativo (IFA). Saíamos de um cenário em que, na década de 1990, metade do IFA era produzido no país e hoje contamos com menos de 5% dessa produção. Atualmente, quase tudo é importado. Essa importação é feita com alto custo e sujeita à variação cambial, além de sofrer pesada tributação de todas as nossas regras sobre importação.
Temos alguns pontos de incertezas sobre a reforma tribu- tária: o primeiro deles, se estas mudanças irão ajudar o Brasil a ir na direção de aumentar produção de IFA, reduzindo a dependência do mercado externo. Ainda não sabemos.
O segundo ponto está na ponta, para o consumidor. Vamos sentir no bolso um aumento tributário? Vai ser homogêneo em todos os produtos? Hoje, já existe um contexto de redução tributária relevante para a oncologia, para produtos adquiridos pelo poder público, mas a maioria dos outros medicamentos sofre tributação completa, PIS/Cofins para aqueles que são lista negativa, e ICMS também.
Outro questionamento: no Brasil, se houver uma nova alí- quota, uma reforma tributária com objetivo de uniformização, será que vamos ter o fim de incentivos fiscais sobre produtos oncológicos? E a manutenção da tributação dos outros produtos que não têm esse tipo de isenção? Isso significa que quando a reforma inicia com o princípio de não ter incentivos e isenções específicas individualizadas e tenta criar essa régua única, existe um risco de vários medicamentos de uso corrente para temas crônicos sofrerem um aumento significativo.
PRINCIPAIS ACHADOS
- A PEC 110/2019 prevê IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) subnacional, substituindo o ICMS e o ISS, e CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) nacional, substituindo os tributos federais sobre o consumo.
- Na Saúde, a mudança na legislação do Imposto de Renda de Pessoas Jurídicas (IRPJ) prevê a extinção do crédito presumido de PIS/Cofins para produtos farmacêuticos e medicamentos das listas positivas (Lei 10.147/2000), mantendo a incidência monofásica de 12% dessas contribuições sociais.
- Essa mudança resultaria em um reajuste de 12% para 18% em mais de 18 mil medicamentos, o que tende
- a aumentar o preço final de remédios utilizados no controle e tratamento de hipertensão, diabetes, câncer e Aids, entre outros problemas de saúde (Fonte: Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos – Sindusfarma).
- A carga tributária brasileira sobre o consumo de medicamentos se mantém como a maior do mundo. Hoje, a carga já é das mais altas do mundo, equivalente a 31,3% (média) do preço ao consumidor. Com a reforma, passaria para 26,9%.
DADOS SOBRE O PESO TRIBUTÁRIO NO PAÍS
- São necessárias 1.500 horas por ano, em média, para que o contribuinte possa cumprir todas as atividades de apuração e recolhimento desses tributos. Desse tempo, 885 horas são dedicadas a tributos indiretos.
- A média nos países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é de 155 horas anuais.
- No ranking de facilidade para pagamento de impostos, o Brasil ocupa a 124ª posição em uma lista com 190 países, atrás, por exemplo, de Rússia, Azerbaijão, Peru, Marrocos e Colômbia.
- Dados do IBGE mostram um percentual muito baixo da população com acesso a ao menos um dos medicamentos prescritos por autoridades públicas (entre 24,9% e 30,5% dependendo da região).
- Distribuição de despesas com assistência à saúde entre famílias de alta ou baixa renda mostra semelhança entre os índices de participação, situados entre 5,6% e 5,9%.
Por que o Brasil é tão dependente em relação aos insumos farmacológicos?
Há projetos industriais em andamento para a fabricação de insumos, com investimentos altos, mas ainda em proporções pequenas. O Brasil segue se desindustrializando, porque o cus- to-país pesa e, dentro dele, existe a alta taxação dos produtos importados e regras de preços de transferência, que não são aderentes às regras do mercado internacional. Isso é algo que vai convergir, certamente, com essa nova medida provisória que nos aproxima das regras da OCDE para preços de transferência. Já é um avanço! A importação de IFA é cara, mas com custo atualmente menor que montar um estabelecimento novo no Brasil, o que é ainda mais pesado em termos de tributos e em relação à forma como é afetado comparado à importação direta.
Depois de 30 anos de discussão, a Câmara dos Deputados aprovou em 7 de julho de 2023 a primeira fase da reforma tributária e reformula a tributação sobre o consumo. O texto ainda precisa ser aprovado pelos senadores. Quais são as expectativas para a reforma tributária com o novo governo? Acredito que este novo governo tem um olhar para o social que é importante e que, inclusive, trouxe alguns comentários indicando que deve mudar a matriz de arrecadação, sair do foco de consumo para um foco maior na renda. Foi designada uma equipe para o Ministério da Fazenda que tem a reforma tributária como uma grande bandeira e tem estudado muito o assunto. O texto segue agora para ser votado no Senado Fede- ral, o que deve ocorrer no segundo semestre.
Segundo o texto aprovado, uma série de setores terão alí- quotas reduzidas, entre eles (i) Serviço de educação; (ii) Servi- ço de saúde; (iii) Dispositivos médico; e (iv) medicamentos. Lei Complementar a ser aprovada posteriormente definirá as alíquo- tas setoriais, por default medicamento terá no mínimo 60%.
OBJETIVOS QUE A REFORMA DEVE TER (AVALIAÇÃO PWC BRASIL)
- Um sistema de tributação do consumo deve onerar de forma mais significativa os bens considerados não essenciais. Os bens diretamente relacionados à saúde, bem-estar e vida digna do ser humano devem ter tratamento tributário distinto, para facilitar o acesso.
- Ou seja: isenção aos medicamentos essencialíssimos à sobrevivência (como tratamento de câncer), de alíquota única, de redução de alíquotas para os essenciais (discriminados em regime de lista) e com devolução integral dos valores recolhidos pela parcela mais vulnerável da população (cadastrados nos programas de assistência e transferências de renda).
- Processo com a máxima transparência e abertura para debate e análise de efeitos nas diversas cadeias produtivas, buscando a simplificação e a racionalização do sistema.
É importante ressaltar que vai ser necessário travar um debate ainda maior no Congresso. Obviamente, vai haver a necessidade de envolver todos os stakeholders, como repre- sentantes da sociedade, empresas, sindicatos, grupos pa- tronais e grupos representativos da indústria, por exemplo. É necessário que todos participem e cooperem, afinal, um amplo debate precisa acontecer. O novo governo tem esse desafio e essa responsabilidade, de buscar, junto com o Congresso, um consenso que afete o mínimo a indústria e o serviço, impulsionando para um novo momento de um país industrial, de bom atendimento e de cuidado.