Deputada Adriana Ventura explica de que maneira a recém-criada Frente Parlamentar voltada ao tema está unindo vozes na busca de avanços
A autora da Lei nº 13.989, derivada do Projeto de Lei 696/2020, que autoriza o uso da telemedicina no Brasil durante o estado de calamidade pública é agora a presidente da Frente Parlamentar Mista de Telessaúde, criada em novembro último. Adriana Ventura é empreendedora com foco em indústria criativa e está em seu primeiro mandato como deputada federal.
A parlamentar de São Paulo é professora de empreendedorismo da Fundação Getúlio Vargas e formada em administração pública, com mestrado e doutorado em Administração de Empresas na própria FGV. Na Câmara dos Deputados, faz parte da Comissão de Seguridade Social e Família, que discute as pautas de saúde.
Nesta entrevista, Adriana Ventura apresenta as perspectivas para a telessaúde no âmbito do Legislativo, a partir do diálogo aberto e da busca por aprofundamento, representatividade e consenso. A prioridade é a democratização de acesso à saúde para a população brasileira, com segurança jurídica.
VISÃO SAÚDE – O que a motivou a priorizar a área da saúde como parlamentar?
VENTURA – Identificamos, enquanto bancada do Par- tido Novo, que a área da saúde é importantíssima, com oportunidades para conseguirmos efetivamente melhorar a vida das pessoas, ao enfrentar e buscar soluções para os gargalos. Para mim, está sendo um enorme aprendizado.
Como e por que surgiu a ideia de criar a Frente Parlamentar Mista da Telessaúde?
Logo no início da pandemia, apresentei o projeto da te- lemedicina. Vários profissionais atuantes no setor, então, nos procuraram propondo regulamentações em suas áreas específicas para o atendimento à distância. Vimos que era uma demanda tanto para dar segurança jurídica quanto para tornar a telessaúde de caráter permanente. A teles- saúde já existe faz tempo, há várias portarias, o Ministério da Saúde já caminhou bastante com o tema, mas o fato é que falta uma segurança jurídica. A partir disso, além do projeto da telemedicina durante a pandemia, que vi- rou lei, protocolamos um outro especificamente sobre a telemedicina e mais um para a telessaúde, que abrange tudo. Com as conversas que tivemos com cada vez mais pessoas, percebemos que era preciso unir todo mundo, trazer para o debate, para todos terem espaço de fala, to- das as áreas se sentirem acolhidas. A Frente Parlamentar da Telessaúde tem esse objetivo de discutir quais são os ga- nhos, os riscos e fomentar o diálogo. Trabalharemos essa agenda sem restringi-la ao Parlamento. Queremos agregar a sociedade civil.
Também foi uma forma de reunir as iniciativas e projetos dos próprios parlamentares sobre o tema?
Com toda a certeza. A pandemia impulsionou positiva- mente essas discussões. Era um tema que ficava para de- pois. Agora, tanto os que tinham resistência quanto os que já viam essa necessidade conversam sobre o assunto por- que a pandemia mostrou que a telessaúde veio para ficar e precisamos chegar à melhor regulamentação.
O Brasil é um dos países mais atrasados do mundo em questão de oferta de serviços via telessaúde. Por que isso aconteceu? Como reverter, é possível? Há muito trabalho a ser feito pela Frente Parlamentar?
Realmente, o Brasil está muito atrasado. Há vários mo- tivos para esse atraso todo. Entraves corporativistas, pois tem pessoas que não querem que isso caminhe. Muitas vezes falta vontade política. Temos também problemas sé- rios de estrutura tecnológica. Há Estados que têm 2% de informatização em unidades básicas de saúde. Isso é gra- víssimo. Na minha visão, é possível o país evoluir na teles- saúde e não dependerá somente da iniciativa legislativa. A pandemia começou toda uma revolução que agora não tem volta. O ano de 2020 mostrou que já caminhamos bastante. Somando esforços, pensando no bem da nossa população, juntando o Legislativo e a sociedade civil, o objetivo é caminhar a passos largos agora, porque é um caminho sem volta e tem muito lugar ainda que não tem acesso à saúde. Esse é o grande problema.
Na trilha de se oferecer aquilo que o legislador constituinte trouxe no conceito de universalização, equidade e integralidade, como o Brasil – país continental de realidades tão distantes, socialmente e geograficamente falando – poderá se beneficiar por meio da telessaúde em relação ao acesso?
Mais do que discutir a tecnologia em si, estamos falando de saúde integrada. Em um Brasil tão desigual, em que há realidades tão distintas, telessaúde para mim tem que ser sinônimo de acesso. Ajuda a vida nas grandes metrópoles? Muito. Ajuda, na pandemia, quem não pode sair de casa por ser do grupo de risco. Ajuda a reduzir filas enormes, aquela espera que não acaba nunca. Mas também leva a saúde para lugares de difícil acesso onde simplesmente ela não existe. Se pensarmos nas populações ribeirinhas, há pessoas que viajam dias para encontrar um médico. Isso é um absurdo. Telessaúde veio para mudar isso. Há localidades que realmente precisam de uma reforma es- truturante: não têm computador nem internet. Além de instalar tecnologia de comunicação, precisamos pensar em meios que integrem principalmente os brasileiros que mais precisam com o sistema de saúde, para melhorar a qualidade de vida e poder dar acesso a todos. É preciso realmente integrar essas pessoas e fazer com que elas se sintam acolhidas. Essa é a proposta.
Qual o legado que a telessaúde deverá deixar para a população durante esse período de pandemia?
O maior legado que vejo é que muitos profissionais da saúde, especialmente médicos que eram frontalmente contrários, perceberam a importância de aceitarem a te- lemedicina. Nessa pandemia, vimos a necessidade de dar mais uma alternativa. Muitos médicos que não podiam sair para trabalhar puderam continuar atendendo os pa- cientes e ajudando pessoas, tendo a sua remuneração. O fato de clarear a questão e dar aos profissionais da saúde essa experiência acredito que seja o grande legado. Mui- tos que eram contrários perceberam que, em situações de isolamento social por exemplo, não dá para simplesmente fechar as portas. Outro legado é a inovação. Tem pessoas hoje que querem hoje fazer consulta à distância, que têm oportunidade de consultar um determinado especialis- ta que está em outro lugar e isso é realmente um super avanço. Tem pessoas que já preferem o atendimento pre- sencial. O cidadão sempre tem que estar no centro e as decisões devem ser tomadas em conjunto com os profis- sionais de saúde. Mas precisa haver essa alternativa. O fato de abrir uma discussão que antes estava emperrada ou em que existia um certo preconceito também considero um grande legado. Na pandemia, neste aspecto de telessaúde, o salto foi bastante positivo.
Acredita ser necessário haver uma legislação federal para uniformizar o tema? Isso traria maior segurança jurídica para os envolvidos, desde o paciente até o profissional responsável, passando pela plataforma, clínica etc?
As demandas que recebemos desde o início e que conti- nuamos recebendo nos mostram que é preciso garantir a segurança jurídica para as diversas áreas da saúde. Deve haver uma legislação federal, sim, para embasar o tema, ainda que cada profissão em si e cada área da saúde te- nham as suas especificidades. Há cenários que são volá- teis, com eventuais trocas de pessoas que ocupam cargos e que podem revogar decisões. Então, é necessário um embasamento em lei para haver um ambiente de seguran- ça jurídica e mais certezas para os profissionais de saúde, para as empresas do setor e todos os envolvidos, de modo que a telessaúde seja algo permanente. A ideia da Frente Parlamentar é discutir essas questões, o que precisa, o que não precisa, porque há questões muito bem resolvidas e outras mal resolvidas ou não resolvidas. Esse é o objetivo da Frente também: gerar consensos.
Essas discussões todas já estão em curso no âmbito da Frente Parlamentar Mista da Telessaúde?
Sim. O lançamento da Frente foi no fim do ano passado. Desde então, recebemos várias demandas de diversas repre- sentações de profissionais e empresas. Procuramos realmen- te agregar todos os grandes blocos e já enviamos questio- nários para essas associações perguntando quais são temas são prioritários. Estamos avançados nesta programação de discussões. É um espaço aberto, em que todo mundo tem voz. Existe uma urgência em tratar desses temas, conside- rando que a autorização em vigor está atrelada ao período de exceção da pandemia. Nossa expectativa é avançar nas inte- rações e discussões até abril para efetivamente construir algo amplo e consensual. As Portarias do Ministério da Saúde, as resoluções dos Conselhos, tudo o que é infralegal vai conti- nuar, mas para dar segurança jurídica precisamos realmente caminhar com a legislação.
A Frente Parlamentar conta com amplo apoio, composta por 207 parlamentares, sendo 200 deputados federais e sete senadores, além de 27 entidades profissionais de saúde no Brasil. Se mais alguém ou entidade quiser contribuir, como deve proceder?
Temos tido todo esse apoio, sim. Mais do que isso: as en- tidades envolvidas estão realmente empenhadas, querem dialogar, porque é interesse de todos. Queremos convidar a todos que compõem esse ecossistema da saúde a dis- cutir a telessaúde, não só os profissionais de saúde, todos abarcados, mas também os gestores públicos, os que dão suporte em tecnologia, startups, os conselhos, todo mun- do. Toda entidade que quiser participar e contribuir para o debate é super bem-vinda. Basta entrar em contato pelos canais da Frente Parlamentar Mista da Telessaúde: e-mail frentetelessaude@gmail.com ou Instagram e Twitter no perfil @ftelessaude.
O Ministério da Saúde, a Agência Nacional de Saúde Suplementar, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados, todos deverão participar ativamente dos debates técnicos?
Foram todos convidados para o lançamento da Frente e se- rão todos chamados para os debates, pois há várias questões a serem discutidas em profundidade. O grande objetivo é unir e dar voz a todos. Estamos falando de um tema extremamen- te amplo e complexo, com diversos interesses envolvidos. O objetivo da Frente Parlamentar é canalizar as discussões. Mesmo os parlamentares que ainda não estão conosco, que venham todos, porque saúde é prioridade.
Existe um elevado potencial de melhoria no acesso à saúde pela população que depende exclusivamente do Sistema Único de Saúde (SUS)?
Com toda a certeza. Telessaúde é sinônimo de demo- cratização do acesso. Podemos apontar como benefícios a diminuição de tempo de fila, liberdade de ouvir outro especialista, mais rapidez e auxílio em diagnóstico, entre tantas outras questões essenciais. Existe um problema que é a falta de integração dos sistemas e temos que trabalhá-la para ganho de escala, agilidade e adequação de custos. Os recursos são escassos. Sabemos que é preciso fazer mais com menos e tudo isso vem para ajudar, dar transparência e otimizar recursos. Hoje, há muito desperdício, como a repetição de exames iguais, por exemplo. Precisamos real- mente avançar para ganhar em efetividade, produtividade e diminuição de custos de forma assertiva.
Tudo o que o Brasil está enfrentando na pandemia pode ser uma oportunidade para um salto na digitalização da saúde no país e no potencial da telessaúde?
Como professora de empreendedorismo, sei que os gran- des avanços nascem das crises. Temos enormes desafios, como conscientizar a população, capacitar os profissionais, prover infraestrutura e criar esse ambiente de segurança jurídica para viabilizar a telessaúde. Temos parlamentares dedicados ao tema e precisamos de uma união de esforços de todas essas entidades e de todo esse ecossistema para que possamos construir essa base. A oportunidade exis- te. Precisamos de trabalho e vontade de fazer acontecer. Na minha visão, o momento é mais do que propício. Essa construção irá representar um divisor de águas, porque a realidade atual é a de que muitos brasileiros não têm acesso à saúde. Muitos outros cidadãos, ainda que tenham aces- so, não identificam qualidade ou valor. Essa percepção é assustadora, pois sabemos que existem muitos serviços de qualidade e que funcionam muito bem. Precisamos ma- pear os gargalos e trazer a telessaúde como uma maneira de sairmos mais fortalecidos dessa pandemia. É uma janela de oportunidade, que temos que aproveitar. Para isso, precisa- mos unir esforços à vontade política.