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Facilidade na contratação revertida em ampliação do acesso

Mais do que o crescimento do número de beneficiários, é necessário ter assistência com qualidade e facilidade de acesso para quem deseja ter um plano de saúde, conforme diretor da ANS

Em abril deste ano, o médico Alexandre Fioranelli completará dois anos à frente da Diretoria de Normas e Habilitação dos Produtos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Desde então, ações têm sido colocadas em prática para melhorar o funcionamento do setor. “O produto ideal é aquele que mede o desfecho do atendimento prestado”.

Com mais de 25 anos de experiência e doutorado pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, Fioranelli destaca que avaliar custos e benefícios de uma nova tecnologia, garantindo a segurança e a eficiência da incorporação, mantendo o equilíbrio e a sustentabilidade do setor, são papéis da ANS.

Confira a entrevista exclusiva concedida à Visão Saúde, em que ele explica que todas as ações pensadas pela4 DIPRO integram a busca pelo aperfeiçoamento e são passos para que a saúde suplementar seja cada vez mais acessível para a população brasileira.

FOTOS: DIVULGAÇÃO

Visão SaúdeQual é a importância da ATS? Quais os principais fatores de avaliação para incorporação no rol?

Diretor de Normas e Habilitação dos Produtos, Alexandre Fioranelli – O Rol de Procedimentos e Eventos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) institui a cobertura assistencial obrigatória para os planos de saúde, garantindo o acesso dos beneficiários a uma lista de itens para a prevenção, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação e o acompanhamento das doenças listadas na Classificação Internacional de Doenças (CID), da Organização Mundial de Saúde.

Por sua vez, as tecnologias são parte indispensável de todo sistema de saúde. No entanto, em um contexto no qual os recursos econômicos são limitados, a adequada incorporação das tecnologias é um desafio para os sistemas de saúde. E isso não somente no Brasil, mas no mundo inteiro. Assim, avaliar custos e benefícios de uma nova tecnologia, garantindo a segurança e a eficiência da incorporação e mantendo o equilíbrio e a sustentabilidade do setor são papéis da ANS.

Por isso, a Agência utiliza, em todo o processo de análise de tecnologias, a Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS), metodologia aplicada por diversos países. Ela parte do conhecimento produzido sobre as implicações da utilização das tecnologias e constitui subsídio técnico fundamental para a tomada de decisão sobre as incorporações em saúde. Seu objetivo é verificar se uma determinada tecnologia é segura, eficaz e economicamente atrativa em comparação a outras alternativas, por meio da análise criteriosa das melhores evidências científicas existentes em relação determinada tecnologia de saúde. Nesse sentido, a ATS é uma etapa fundamental, pois ela garante segurança aos pacientes e previsibilidade para o mercado, a partir dos impactos de custo. Com o nível de excelência dessa metodologia, é possível ampliar o acesso das pessoas ao que há de melhor e mais seguro e moderno no mercado de saúde, garantindo-se a sustentabilidade do setor.

Como a DIPRO/ANS vê o desafio de realizar todo um processo de ATS em prazos tão exíguos quanto o Brasileiro? Temos algum benchmarking internacional a respeito?

Alexandre Fioranelli – É um desafio muito grande. A atualização do Rol é um processo complexo que envolve não apenas atividades técnicas altamente especializadas, mas um conjunto de atividades administrativas relacionadas à organização e realização de reuniões técnicas, consultas públicas e audiências públicas.

Além disso, são necessários atos administrativos para a elaboração de um normativo, uma vez que a atualização se faz por meio da publicação de instrumento oficial, que é a resolução normativa e seus anexos. O cumprimento das etapas para a atualização da lista de coberturas obrigatórias dentro de prazos bastante exíguos tem sido um constante desafio para a ANS, porém, posso afirmar que, passados pouco mais de dois anos desde as alterações legislativas, o processo na Agência só tem evoluído e colhido ótimos resultados.

O rito processual de atualização do Rol se baseia em princípios que são empregados nos principais países que fazem avaliação de tecnologias no mundo. A Rede Internacional de Agências para Avaliação de Tecnologia em Saúde (INAHTA) e a Sociedade Internacional de Avaliação de Tecnologia em Saúde (HTAi) definiram, recentemente, a ATS como um processo multidisciplinar que usa métodos explícitos para determinar o valor de uma tecnologia em saúde em diferentes momentos de seu ciclo de vida, promovendo um sistema de saúde equitativo, eficiente e de alta qualidade. Já a saúde baseada em evidências, outra metodologia usada pela ANS, é uma abordagem que visa à integração da experiência clínica, das melhores evidências disponíveis e dos valores dos pacientes, utilizando ferramentas da epidemiologia clínica, estatística e da metodologia científica, entre outras, para reduzir incertezas e promover o uso consciente e minucioso das melhores práticas e literatura científica. Ela permite a adoção de tecnologias clinicamente efetivas, que tragam ganhos em saúde para os beneficiários, especialmente em termos de redução de morbimortalidade, qualidade de vida, segurança e acurácia diagnóstica.

Resguardadas as características específicas de cada país e seus sistemas de saúde, as metodologias utilizadas pela ANS para análise de tecnologias têm respaldo internacional. Nossas análises levam em consideração a atualização metodológica e benchmarking com outras agências internacionais, visto que, além de participar regularmente das conferências anuais do HTAi – um grande fórum internacional de discussão da prática de ATS, a ANS é membro da Red de Evaluación de Tecnología en Salud de las Américas (RedETSA) e da INAHTA, que são duas redes internacionais que compartilham experiências e análises, bem como metodologias em uso na atualidade.

As avaliações hoje seguem a ordem do protocolo do registro da PAR. O Sr. mencionou que o ideal seria se pudéssemos seguir uma ordem de prioridade baseada em uma análise de impacto em saúde. Como tornarmos possível este ideal?

Alexandre Fioranelli – O processo de incorporação de tecnologias ao rol está em constante evolução desde sua origem. Partindo do que existe hoje, podemos dizer que uma das questões mais sensíveis para que possamos atender aos prazos impostos pela legislação é o tempo que temos para fazer as análises, que são imprescindíveis para garantir a segurança dos pacientes e também a sustentabilidade do setor.

Também não podemos desconsiderar a questão do horizonte tecnológico: muitas vezes, quando acabamos de incorporar uma tecnologia ao rol, já tem outra surgindo com a mesma finalidade que também terá que ser analisada. Acaba sendo um trabalho duplicado num processo que já é feito num prazo exíguo e com reduzido número de profissionais.

Então, quando eu digo que o ideal seria podermos priorizar as propostas com base no impacto que as tecnologias terão sobre a saúde dos beneficiários, e não de acordo com a cronologia dos registros, eu estou focando na coletividade, que, inclusive, é um princípio da saúde suplementar. E para percorrer esse ideal precisaríamos de um amplo debate, até mesmo com o Poder Legislativo, porque a Lei 14.307/22 nos impõem prazo exíguos, que não existem em nenhum país do mundo.

“Na minha concepção, o mais importante é pensarmos na qualidade da assistência e, então, o produto ideal é aquele que mede o desfecho do atendimento prestado. Mais do que ter crescimento do número de beneficiários, precisamos ter assistência com qualidade e facilidade de acesso para quem quiser ter um plano de saúde”

Em outras entrevistas, o senhor mencionou que a acessibilidade poderia se dar através de novos produtos. Como seria isso?

Alexandre Fioranelli – Nós sabemos que ter um plano de saúde é um dos três maiores desejos do brasileiro, ficando atrás apenas da casa própria e da educação. Dessa forma, entendo ser importante avaliarmos a viabilidade de ter novos produtos nesse mercado. Uma das possibilidades que a ANS vem estudando é a implementação de um sandbox regulatório, ou seja, a criação de um ambiente para que sejam testados novos produtos, serviços ou tecnologias. Isso é uma ideia que estamos amadurecendo.

Na minha concepção o mais importante é pensarmos na qualidade da assistência e então o produto ideal é aquele que mede o desfecho do atendimento prestado. Mais do que ter crescimento do número de beneficiários, precisamos ter assistência com qualidade e facilidade de acesso para quem quiser ter um plano de saúde. Esse aspecto é um dos temas que está na nossa Agenda Regulatória para o triênio 2023-2025 com o projeto “Empoderamento do beneficiário/consumidor para contratação ou troca de plano”. Uma das medidas previstas é o aperfeiçoamento do Guia ANS de Planos de Saúde, que também é um importante instrumento para dimensionar o alcance da regulamentação vigente, monitorar o interesse dos beneficiários na contratação e no instituto da Portabilidade de Carências e uma forma de conhecer os entraves que os consumidores vivenciam ao tentar acessar um plano de saúde. Ele já passou por diversos aperfeiçoamentos, mas adequações que produzirão melhores efeitos somente poderão ser implementadas após a devida avaliação de seu impacto regulatório e previsão normativa. As propostas ainda estão sendo avaliadas internamente na ANS e, mais tarde, serão levadas para amplo debate com todos os atores envolvidos.

Para a ANS, portanto, ampliar o acesso está diretamente relacionado a facilitar a contratação para quem quer ter um plano de saúde. É ter mais produtos onde há poucas opções; é incentivar a concorrência entre as operadoras; é não ter obstáculos que dificultem o ingresso no setor; é ter consumidores informados sobre seus direitos e deveres para fazerem escolhas conscientes, sabendo o que estão comprando.

Hoje, o que considera como maior desafio setorial a ser equacionado sob a sua gestão? Em termos de inovações promovidas pela DIPRO já realizadas ou programadas, o que destacaria?

Alexandre Fioranelli – Um setor de grandes proporções como é a saúde suplementar tem muitos desafios e certamente alguns deles estão na alçada da DIPRO. Mas penso que o maior de todos é fazer com que o setor consiga criar protocolos para acompanhamento da jornada do paciente dentro de uma operadora, visualizando o desfecho da assistência. A partir daí, da observação de toda essa jornada, vai ser possível identificar os pontos negativos e positivos; se houve desperdício; o que precisa ser alterado no processo. Nosso foco tem que ser discutir desfecho.

Sobre as inovações promovidas pela DIPRO, temos avançado em diversas frentes, que posso exemplificar:

  • Processo de revisão do Rol de Procedimentos e Eventos: houve mudanças significativas no processo de atualização do rol devido a alterações legais e, também, em razão do nosso aprimoramento, tornando o recebimento de propostas e a avaliação delas um processo contínuo, o que deu agilidade à incorporação de tecnologias.
  • Alteração de rede hospitalar:  a alteração de rede hospitalar está prevista na Lei 9.656 e, desde 2016, a ANS e o setor de saúde suplementar debatem esse assunto. Finalmente, em agosto de 2023, publicamos um normativo que acreditamos ser bom para o setor, e em especial para o beneficiário que terá a possibilidade de fazer a portabilidade, sem faixa de preço e prazo de permanência, além da comunicação individualizada.
  • Notificação do beneficiário por inadimplência: no fim de 2023, publicamos novas regras para regulamentar a comunicação com o beneficiário nos casos de cancelamento de planos por falta de pagamento. Uma das inovações da RN 593/2023 é quanto às formas como poderão ser feitas as notificações: poderão ser utilizados meios eletrônicos de acordo com os dados informados à operadora que estejam no cadastro do beneficiário, como e-mail com certificado digital e com confirmação de leitura; mensagem de texto para telefones celulares; mensagem em aplicativo de dispositivos móveis que permita a troca de mensagens criptografadas; e ligação telefônica gravada com confirmação de dados pelo interlocutor. Contudo, a notificação realizada por SMS ou aplicativo de dispositivos móveis somente será válida se o destinatário responder confirmando a sua ciência. Nesse momento, estamos elaborando uma relação de perguntas e respostas (FAQ) para divulgar quando a norma for implementada, a partir de 1º de setembro .

  • Padronização e qualificação dos dados assistenciais: um dos grandes desafios da regulação assistencial é equacionar o acesso do beneficiário à assistência à saúde, com segurança e qualidade, com a sustentabilidade econômico-financeira das operadoras e sua relação com os prestadores. Para isso, é fundamental se ter informação de qualidade, de forma padronizada, para o desenvolvimento de estudos e análises para tomada de decisão baseada em evidências, em dados. Nesse sentido, a DIPRO coordenou um projeto, em parceria com o Hospital Alemão Oswaldo Cruz, via Proadi-SUS, de padronização e qualificação dos dados assistenciais da saúde suplementar para pavimentar o caminho para integração e interoperabilidade de dados da população brasileira na Rede Nacional de Dados de Saúde – RNDS. Esse projeto precisa ser continuado para se avançar com a transformação digital da saúde no que diz respeito aos dados da ANS.

Como medidas programadas, temos, por exemplo:

  • Análise de Resultado Regulatório da metodologia de reajuste dos planos individuais: vamos verificar se a metodologia implementada em 2018 vem surtindo os efeitos desejados, se há necessidade de algum ajuste.
  • Reajuste de planos coletivos: temos estudado aumentar o número de beneficiários das carteiras com até 29 beneficiários, que são aquelas que fazem parte do Agrupamento de Contratos. O agrupamento de contratos é a regra que determina que todos os contratos com até 29 beneficiários de uma operadora devem receber o mesmo percentual de reajuste, evitando, assim discrepâncias e diluindo mais o risco desses grupos. Outro aspecto que estamos estuando é conferir maior transparência dos dados utilizados para o cálculo do reajuste dos planos coletivos com 30 ou mais beneficiários. A proposta é dar mais informações aos contratantes e maior previsibilidade quanto ao cálculo desses reajustes com o objetivo de estimular a concorrência, a discussão de preços e a qualidade da assistência prestada.
  • Atualização dos Estudo dos Vazios Assistenciais: no primeiro estudo, realizado em 2014/2015, foram avaliadas as localidades que apresentaram ausência de prestadores privados de saúde disponíveis para o setor suplementar de saúde, denominadas “vazios assistenciais”. O atual projeto inclui o estudo da disponibilidade de rede e dos vazios assistenciais no setor de saúde suplementar no Brasil e apresenta inovações no sentido de agregar novas bases de dados, variáveis e formas de análise. Além disso, proporcionará o mapeamento e a disseminação de informações periodicamente atualizadas sobre rede assistencial na saúde suplementar, o que irá subsidiar a elaboração de regras relacionadas à garantia de atendimento dos beneficiários de plano de saúde, com a finalidade de proporcionar a prestação oportuna e eficaz da assistência à saúde.
  • Aprimoramento do Guia ANS de Planos de Saúde: como dito anteriormente, esse é um projeto também previsto na Agenda Regulatória 2023-2025, extremamente importante para o empoderamento dos consumidores. A ideia é ter nessa ferramenta mais informações sobre as operadoras e os planos por elas comercializados para que as pessoas tenham mais subsídios para fazerem suas escolhas e tomarem suas decisões, seja para contratação de um plano ou para troca por meio da portabilidade de carências.

Como a DIPRO/ANS vê a área de odontologia suplementar e o seu crescimento?

Vemos como algo muito positivo, pois esse crescimento do número de beneficiários em planos de saúde odontológicos representa maior acesso dos brasileiros à saúde bucal. Esse aumento significativo que o segmento vem apresentando pode indicar que as pessoas estão mais atentas à importância desse cuidado, o que é fundamental.

E o aumento tem sido, de fato, impressionante: em 2000, o número de beneficiários em planos exclusivamente odontológicos era 2,6 milhões e representava menos de 8% dos atuais 32,7 milhões, de acordo com dados de janeiro de 2024. Nesse período, a taxa de cobertura na população cresce continuamente elevando-se de 1,2% para atuais 17%.

Vale destacar que o os planos odontológicos operam em um mercado de custo mais acessível e despesas inferiores aos planos de assistência médica, tendo em vista que a assistências prestada e a rede de atenção necessária requer menor complexidade do que na assistência médica.

Também é importante lembrar que há cerca de 3 milhões de beneficiários em planos de assistência médica com cobertura odontológica. Isto é, beneficiários em planos cuja segmentação assistencial envolve, por exemplo, cobertura ambulatorial, hospitalar e odontológica. Frequentemente, esses beneficiários não são contabilizados no total de beneficiários odontológicos, pois o foco recai sobre os planos exclusivamente odontológicos. Sendo assim, se considerarmos também este grupo, o total de beneficiários odontológicos no país chega a 35,7 milhões.

No âmbito da DIPRO, enxerga a possibilidade de termos um olhar diferenciado para a odontologia suplementar? (diferenciado em relação a área médica)

Creio que já há um olhar diferenciado da ANS para os segmentos odontológico e de assistência médica. No âmbito da DIPRO em particular podemos mencionar que os planos odontológicos prescindem de Nota Técnica de Registro de Produto, planos odontológicos podem ter financiamento misto (pré e pós pagamento), a dinâmica de incorporação procedimentos no rol é absolutamente distinta do que vemos na assistência médica.

Isto não impede, evidentemente, que o setor possa ter demandas próprias em termos de avanços regulatórios que possam ser discutidos e eventualmente incorporados, dentro dos ritos de transparência e participação social que já caracterizam a atuação da Agência.

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