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Debate decisivo

“O fi nanciamento da saúde é um debate que precisa ser feito e é tão importante quanto o da Previdência” Leandro Fonseca, diretor-presidente da ANS.

Graduado em economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e com mestrado em regulação pela London School of Economics, Leandro Fonseca trabalhou com economia da saúde no Ministério da Fazenda. Cedido para a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) em 2010, foi diretor nas áreas de Fiscalização, Normas e Habilitação de Operadoras e de Desenvolvimento Setorial antes de se tornar diretor-presidente substituto na agência, em maio de 2018. Um ano depois, ele foi confi rmado na presidência da autarquia acumulando o cargo de Diretor de Gestão. Já como Presidente da ANS, Leandro Fonseca conversou com a Visão Saúde sobre incorporação de tecnologia na saúde, parcerias público-privadas e as novas regras de portabilidade para benefi ciários de planos de saúde. Acompanhe.

FOTO: KATIA GARDIN E ALEXANDRE TAKASHI

Como analisa o atual cenário regulatório do Brasil na área de Saúde Suplementar? Quais os principais avanços e entraves?

Quando a gente olha o cenário regulatório em horizonte temporal amplo, podemos verificar uma grande evolução. Antes do marco regulatório era possível que operadoras limitassem questões como tempo de internação, número de consultas e um teto para dispêndio de determinados cuidados de saúde. Hoje isso já não é mais possível, então sabemos que houve uma evolução no sentido de trazer para o usuário do plano de saúde (seja ele médico- hospitalar ou odontológico) uma garantia da assistência e da sua integralidade.

Em relação à incorporação de tecnologia na saúde, quais medidas podem ser tomadas para integrar melhor as redes públicas e privadas e a Saúde Suplementar? Estamos falando de medidas como prontuários eletrônicos, cartão único de saúde e outras.

Lidar com planos de saúde requer informação para fazer uma gestão de saúde populacional adequada. Implica na captura de dados do usuário em sua jornada de saúde na rede pública ou privada – dentro dos limites legais – e análise de dados. O que infelizmente nós temos como realidade no setor são sistemas usualmente proprietários e dados não interoperáveis. Isso quer dizer que os dados produzidos em uma determinada instituição não são compartilhados com outras instituições, fazendo com que as informações do beneficiário fiquem fragmentadas. O setor precisa trabalhar para termos sistemas e plataformas abertos e dados interoperáveis, que respeitem o sigilo da condição de saúde preconizado pela legislação, mas de forma que sejam intercambiáveis e acessíveis por diversas instituições. Este movimento pela interoperabilidade de dados de saúde no País é, de fato, fundamental para reduzir desperdícios, prover uma atenção à saúde mais qualificada e uma integração maior na prestação de serviços em torno de um ciclo virtuoso de cuidados com a saúde. Isso pressupõe ainda uma padronização de linguagens e parâmetros.

Ainda em relação ao uso de novas tecnologias, quais as medidas que a ANS está tomando para agilizar processos administrativos?

A agência está elaborando uma Resolução Normativa para disciplinar os procedimentos e o funcionamento do processo administrativo eletrônico em atos processuais por usuários externos. No momento, estamos realizando uma consulta pública para colher sugestões da sociedade sobre como usuários externos (beneficiários e fornecedores) podem aderir ao atendimento eletrônico. No caso das operadoras, elas já contam com o cadastro no Portal Operadoras que agiliza estes procedimentos. Atualmente vivemos um processo de transformação digital na ANS e a ampliação da interação eletrônica com o setor regulado vai possibilitar resultados importantes, como redução de custos e maior agilidade no tempo de resposta.

Como as agências regulatórias podem agir para garantir que as políticas públicas de saúde sejam políticas de estado e não de governo?

A regulação é dinâmica e acompanha a evolução do mercado. A ANS é autônoma, mas não é uma ilha. Precisamos cada vez mais de integração com outros órgãos públicos e, em especial, com o Ministério da Saúde. Estamos constantemente revisando o nosso estoque regulatório, normas que foram editadas em outra conjuntura. Não dá para imaginar uma política regulatória insular.

“Estaremos sempre caminhando dentro de um contexto que inclua as gestões no Poder Executivo de cada período, mas a visão é perene no sentido de buscar garantir direitos da população”

Em relação às PPP (Parcerias Público-Privadas) o modelo atual permite somente que a rede pública contrate o sistema privado para demandas. No caso da rede privada, seria possível permitir que as operadoras contratassem a rede pública para oferecer um benefício como um procedimento ou tratamento ainda não disponível na rede privada?

Esta é uma discussão interessante e que precisa ser travada no âmbito de política nacional de saúde e que promova uma integração com maior paridade entre público e privado. É uma política que deve ser discutida pela sociedade civil para que seja legitimamente construída e estabelecida de forma clara e transparente. É importante que todos os atores saibam quais são suas reponsabilidades, papéis e atribuições numa prestação de serviços integrada.

Como estimular o acesso e o intercâmbio de produção científica entre as universidades públicas e as operadoras de planos de saúde?

Todo ramo de atividade econômica, não só a Saúde Suplementar, deve buscar as melhores referências acadêmicas. Por este motivo, a aproximação do setor de Saúde Suplementar com o meio acadêmico é essencial para seu desenvolvimento e para oferecer melhor assistência, com foco na saúde preventiva e que otimize custos. É possível prover estes espaços de diálogos, mas os atores desta dinâmica devem buscar construir estas pontes.

Há um excesso de judicialização da saúde. O que é possível fazer para desafogar este gargalo?

É preciso travar uma discussão qualificada sobre judicialização. Quando se tem uma obrigação contratual e a operadora não cumpre, essa é uma judicialização devida. Agora, se a judicialização aponta para tratamentos ou procedimentos experimentais ou ainda não inclusos no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS, esse processo é prejudicial para todo o sistema, evitando que recursos sejam mais bem realocados na assistência. O financiamento da saúde, seja a pública ou a privada, é um debate que precisa ser feito e é tão importante quanto o da Previdência.

Como equilibrar a entrega de benefícios ao usuário e a sustentabilidade das redes pública e privada?

Incentivando a competição ética, provendo os contratantes de planos de saúde de mais informações para que possam negociar melhor os produtos. É preciso engajar os empregadores. O mecanismo que leva à maior eficiência de qualquer mercado é a demanda do cliente. Quem contrata planos para dar aos funcionários é o agente que induz e provoca mudança de modelo assistencial. O que ele busca em termos de assistência de saúde para os seus funcionários e famílias é primordial para construir novos modelos. No Brasil, o empregador não é um ator muito ativo nessa discussão.

Como incentivar a empresa contratante de plano de saúde a se engajar na discussão da sustentabilidade da Saúde Suplementar?

A ANS entende como fundamental o papel das empresas contratantes de planos de saúde. Hoje nós temos 47 milhões de beneficiários em planos médico- hospitalares e, desses, dois terços estão em planos coletivos empresariais. Juntos, devemos trabalhar em prol da mudança do modelo assistencial vigente, saindo do cuidado em saúde fragmentada para a integrada. A transição para um sistema mais sustentável, que entregue valor em saúde a um preço suportável, é um desafio para todos nós.

Recentemente entraram em vigor as novas regras de portabilidade para beneficiários de planos de saúde. Como esta mudança irá impactar o mercado?

Anteriormente, uma pessoa que saía de um plano para outro precisaria cumprir o período de carência de novo, além de arcar com os custos de troca. A medida que a agência tomou, e que entrou em vigor em junho, impede a exigência de carência por parte da operadora em uma série de condições. Queremos ver na prática como vai funcionar, mas a intenção do regulador é possibilitar uma portabilidade mais fácil e estimular a concorrência entre os planos.

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