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Cura, ao invés de tratamento

Luiz Henrique Mandetta formou-se médico pela Universidade Gama Filho, no Rio de Janeiro, em 1989. Três anos depois, finalizaria sua pós-graduação em Ortopedia Pediátrica na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, em Campo Grande, e, em 1995, concluiria ainda uma especialização em Ortopedia Pediátrica, como fellow da Emory University, em Atlanta, Geórgia, Estados Unidos.

No entanto, a Medicina ocuparia uma parte de sua carreira profissional; o campo-grandense que, em novembro, completa 55 anos, enveredou-se também pela Política, tendo sido eleito Deputado Federal em 2011 e em 2015. Na legislatura de 2015 a 2019, licenciou-se do mandato para assumir o cargo de Ministro de Estado da Saúde, a partir de 1º de janeiro deste ano, sob o governo de Jair Bolsonaro.

Em agosto foi convidado a abrir o 24º Congresso Abramge, simultâneo ao 15º Congresso Sinog, em São Paulo. Na ocasião, conversou com a Revista Visão Saúde sobre o setor em geral, suas necessidades, perspectivas e os trabalhos já desenvolvidos neste mandato.

FOTO: KATIA GARDIN

Como avalia a situação político-econômica do Brasil? Vivemos um momento de debate, de atenção. O País passa por uma releitura de muitas crises. Atualmente lemos nos jornais o início da sequência das privatizações. Antigamente, se você pensasse em falar em privatização, já havia uma enorme resistência, e hoje em dia há uma percepção de que nós precisamos deixar o Estado mais enxuto, focado no que ele tem que fazer, para a iniciativa privada poder exercitar a melhor concorrência, a melhor prática.

De que forma a criação da Lei dos Planos de Saúde –

Lei n. 9656/1998 – foi benéfica para o setor?

Quando se iniciou no Brasil a construção do setor de Saúde Suplementar, no início do nosso parque industrial, as montadoras trouxeram como conceito de valor agregado para seus funcionários a cultura de plano de saúde. Depois, isso rapidamente chegou à classe média, que começou também a ter como objeto de desejo o plano de saúde.

Quando a lei de 1998 foi instituída, muitos contratos tiveram que ser relidos, pois estavam parados, pouco abrangentes, que cobriam um exame ou o famoso período de três dias de internatação. Como executar uma cláusula dessas, com um cidadão que precisa estar entubado por dias? O indivíduo está sem condições de negociar naquele momento. Esse tipo de situação foi o que serviu de pretexto, de argumento à época para se fazer diametralmente o oposto, que é como as coisas se dão no nosso País. Passamos de um mercado totalmente desregulado, sem nenhum tipo de controle, para um mercado em que se criou uma agência, um rol de procedimentos, no qual o contrato é igual entre as operadoras, e elas disputam a prestação de serviço.

Como corrigir essas questões, diante das dificuldades

pelas quais passa o Brasil agora?

Esse cenário exige uma avaliação muito focada – passamos pela discussão da Reforma da Previdência de forma muito madura e agora iniciamos também a da Reforma Tributária, que também deve trazer muitas novidades ao setor; há a discussão sobre não descontar do imposto de renda o serviço de Saúde, isso é algo que a sociedade brasileira terá que discutir ou se deve haver um limite, como em alguns países. Essas discussões deverão trazer uma simplificação do modelo do Estado brasileiro.

Quais as perspectivas para o Sistema Único de Saúde [SUS]?

Um dos maiores elementos de definição na hora da compra de um plano de saúde é o SUS. As pessoas falam: o SUS não funciona, olha a fila, a espera por cirurgia, não tem vaga para todos. A opção dos brasileiros pelo plano de saúde é orientada pelo medo da desassistência.

Porém, em um Estado mais leve, mais estruturado, livrando-se dessas estatais, organizando sua balança tributária, soltando a economia, o Sistema Único de Saúde brasileiro será o grande concorrente dos planos de saúde. Ele irá a passos mais lentos, mas muito sólidos. O setor terá que fazer uma discussão muito séria ao analisar um plano no qual o indivíduo tem o seu seguro, a sua apólice, o seu contrato em caso de tal doença e buscará os seus direitos; e outro sistema que vai lutar de forma muito intensa pela prevenção.

Um paciente diabético, na sua carteira de plano de saúde, tem um potencial de despesa extremamente elevado e aguardar que essa despesa chegue é não reconhecer o risco que isso pode ter. Então, o primeiro ponto é a Saúde Suplementar construir um sistema que ensine gerenciar essa carteira, paralelo e coirmão ao SUS.

Quando lançamos o programa Médicos pelo Brasil, entendemos que, nos primeiros dois anos, vamos fazer uma bolsa de especialização e o profissional só terá carteira de trabalho assinada caso seja especialista em medicina da família. É importante que o sistema de saúde suplementar fique atento e possa, inclusive, ajudar a construir, a ocupar o espaço dos pacientes do plano de saúde com a mesma lógica, de maneira inteligente.

O que precisa ser revisto, modificado ou melhorado

no      texto      legal      atual? Temos uma infinidade de situações no texto infralegal. Essa parte foi construída basicamente nas funções normativas da Agência Nacional de Saúde Suplementar [ANS]. É preciso que o setor assuma suas responsabilidades. Existem alguns preciosismos. Por exemplo, por que precisamos fazer o aviso via AR? Com tantos meios de comunicação, email, WhatsApp, não é possível deixar de exigir uma AR? Qual o custo disso para o setor?

Ainda, quando olhamos as normatizações do setor, há muito que discutir. Como fazer a calibragem de multa, como tornar algo mais bem dimensionado?

Os lastros são extremamente importantes, garantem a energia, a consistência das carteiras? Garantem, mas será que o objetivo das provisões de eventos ocorridos e não avisados está sendo discutido? Ele basicamente dá a segurança de que, se aquela firma romper, ela teria o suficiente para cumprir suas obrigações para com todos os seus consumidores. Mas, há o por quê dele existir? Quais são os possíveis instrumentos para se garantir a mesma lógica e não necessariamente ter que imobilizar, em tempo de crédito tão difícil, uma quantidade enorme de recursos dentro de um setor, que poderiam ser investidos no próprio setor? Se houvesse um seguro de carteira, será que seria melhor?

O sistema de reajuste dos planos praticamente desconstrói a lógica do indivíduo pessoa física poder adquiri-lo, por basicamente uma concessão de metodologia. Não é possível que a metodologia aritmética, econômica, social, não nos dê uma fórmula para que o indivíduo possa contratar. Há três ou quatro fórmulas em discussão, fatores temporários de ajustes técnicos de contrato, conceitos que podem dar essa segurança, a criação de intermediários obrigatórios entre contratante e contratado.

Enfim, vêm aí mudanças na infralegal, alterações que

podem dar para o setor uma oportunidade de se preparar

para um País que procura ser capitalista, liberal. Ao ser liberal, não significa ser irresponsável, mas dizer que o capitalista tem regras e tem vasos comunicantes que dialogam. E o bom empresário sabe valorizar o seu produto, a sua força de trabalho.

A força de trabalho dos planos de saúde é o capital intelectual dos médicos: não se pode esquecer disso nunca.

Quais são próximos passos de seu mandato e da gestão do governo? Em que momento a Saúde terá a oportunidade de se equilibrar, se reorganizar nesse cenário?

O País vai dar passos neste momento – e não se iludam os que são pautados pela sensação midiática imediatista; o País real vai acontecendo em uma velocidade em que aquele país subjetivo não consegue entender. É um País que está com a menor inflação da história, que abaixa sua taxa de juros, gera emprego, apresenta uma bolsa de valores que passa de 100 mil pontos, sustentável, que recupera sua percepção – o mundo olha para o Brasil como a melhor oportunidade de investimento.

Em pouco mais de seis meses de governo, reabriram-se os acordos do Mercosul e com a Europa, que estava há 20 anos em uma prateleira. Isso muda o eixo político, que volta para o Brasil, abre negociações de acordo com os Estados Unidos. A gente vai atrás desse Brasil. Esse País que foi pensado, inspirado pelos imigrantes, reforçado nas suas teses na Revolução Constitucionalista de 1932, aqui no Estado de São Paulo – que, quando sufocada, apostou na criação da Universidade de São Paulo [USP] e apostou que o conhecimento traria a grande vitória. Nós vamos atrás desse País, que precisa se reafirmar, reconstruir uma imagem que diariamente muitos brasileiros desconstroem lá fora e mostrar que a gente está aqui para trabalhar.

Vamos, agora, passar por uma fase extremamente interessante. As reformas vão começar a surtir os seus devidos defeitos (ou seria efeitos?). A economia dará sinais de que já está começando a se erguer. Ainda atravessamos 2019, que é o ano mais difícil, e em 2020 começaremos a crescer de forma sustentável, não mais pelo crescimento fácil em bolhas de consumo, mas pela produção.

Esse País vai, sim, atrás do seu sistema de Saúde desafiado geracionalmente, como exemplificado pelos constituintes de 1988, que colocaram na máxima constitucional que saúde era dever do Estado. O Estado que se prepara com um conceito de saúde amplo e, quando chega a parte de atendimento, começa a perceber que precisa se reinventar, se repaginar no campo da saúde pública.

“O Estado que se prepara com um conceito de saúde amplo e começa a perceber que precisa se reinventar, se repaginar no campo da saúde pública.”

O que a Saúde reserva para o futuro?

O século 21 vai ser absolutamente fantástico. Nós vamos viver melhor, por mais tempo, eu vou poder curtir meu neto por muito mais tempo do que minha mãe e meu pai puderam curtir os netos deles. Quando fizemos o Projeto Genoma, as pesquisas começaram a cruzar todas as situações de doença para entender qual gene estaria envolvido naquela doença. São pesquisas já muito bem definidas. Como é a terapia gênica? Eles pegaram genes e marcaram – começaram pelas doenças raras, que são de alto custo. Ao encontrar esse gene, foram identificar o que acontecia quando ele era inativo – viam que faltava tal substância. Foram atrás disso, desenvolveram a molécula e, por fim, o medicamento.

Uma paciente em estado terminal – metástase cerebral, hepática e pulmonar: o gene não deixava produzir um tipo de célula que ajudava a combater o tumor. Os pesquisadores isolaram aquela célula, cultivaram-na e fizeram a regressão da metástase das três regiões. Naquele momento, inauguraram a geração do tailor made, ou seja, sob medida.

E qual o problema do tailor made? Não se dilui custo. O custo é individual por paciente, a patologia e o seu tratamento. Infelizmente, a primeira terapia gênica para atrofia, registrada no FDA há um mês, veio pelo preço de US$ 2,8 milhões por paciente.

Ao mesmo tempo em que vamos atrás da fronteira do conhecimento da genética, e que lançamos editais de pesquisa, não se esqueçam: sem atenção primária não chegaremos a canto algum! Vai ser por ali que vamos reestruturar o SUS.

De que forma o SUS tem atuado para resguardar essa atenção primária?

Neste ano de 2019, iniciamos pela primeira vez na história a Secretaria Nacional da Atenção Primária, que não existia no Ministério da Saúde. Na sequência, lançamos um programa chamado Saúde na Hora – os postos brasileiros trabalhavam das 7h às 11h e depois das 13h às 17h. Qual é o horário que o trabalhador sai de casa? Que horas ele almoça? Que horas volta pra casa? Em todos esses momentos, o posto estava fechado. O que sobra para a massa brasileira? O pronto-socorro e a Unidade de Pronto Atendimento [UPA], como únicos espaços onde ele pode tentar atendimento. Mas por que trabalhar somente 40 horas semanais? Por que fizeram uma regra de que, em cada prédio de um posto de saúde, só pode ter no máximo três equipes? Então, negociamos com os prefeitos e eles têm liberdade, podem contratar por mais horas, colocar até seis equipes em cada unidade. Estenderam o horário das 7h às 22h. A adesão está sendo maciça e a saúde suplementar terá um belo concorrente, que é o SUS e aprendam: ele negocia bem! Ele está lá, respondendo por 83% dos atendimentos de saúde no País. Todas as empresas do mercado de saúde suplementar juntas cobrem em torno de 15%, 16%. Então, vejam o tamanho desse concorrente e ele vai melhorar. Eu o defendo com unhas e dentes, eu sou o manager; mas eu preciso que a saúde suplementar conquiste mais mercado. Diferente dos concorrentes da área – um quer tirar mercado do outro –, eu quero muito que os planos possam atender mais.

À saúde suplementar cabe, portanto, desobstruir o SUS? Qual é o ponto de equilíbrio dessas duas pontas no setor?

A crise econômica sobrecarregou ainda mais o nosso SUS. Por isso, queremos dar leveza, transparência, confiança, e deixá-los, dentro de um mercado que exige extrema responsabilidade, que cada um execute aquilo pelo qual abriu sua empresa, pelo qual trabalha.

É um prazer poder trabalhar com um produto cujo grande objetivo é enfrentar de peito aberto a luta pela vida e a luta eterna contra a morte. A todos que militam nesse setor, saibam que o Ministério da Saúde é a casa de vocês. A porta está aberta, sempre. Venham, dialoguem, façam sugestões – não temos segredos. Não há nada que seja tratado por nós que não seja público. E assim eu peço sempre à ANS: fale, dialogue, seja auscultador da sociedade. Nossos princípios são liberdade, democracia, responsabilidade àqueles que vão empreender, respeito ao consumidor, facilidade para diminuir o novelo de regras, para que o setor possa ser versátil e possa comemorar sua expansão.

Por mais que aquele modelo não regulamentado da década de 1990 tivesse os seus problemas, havia cerca de 2.500 operadoras no nosso País. Hoje temos 780. Será que é correto comemorar que o setor encolheu? Identificar que cinco ou seis operadoras dominam 70% do mercado – isso é bom? Ou o bom é que a gente tenha um sistema vibrante, que possa se comunicar, dialogar, garantir que a gente tenha concorrência? Que o consumidor seja o grande beneficiado, que a saúde prevaleça, que as pessoas tenham os seus ganhos – e, principalmente, que todos possam andar de cabeça erguida no Brasil, que está sendo construído, reerguido por cada um de vocês.

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