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Cooperar para evoluir

A visão de um brasileiro na OPAS sobre os desafi os do nosso sistema

Ligado à Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) desde 2007, de forma paralela a outras atividades, o pernambucano Jarbas Barbosa assumiu há um ano e meio o cargo de diretor-adjunto com dedicação integral, responsável por supervisionar os programas de cooperação técnica oferecidos aos 35 Estados membros. A OPAS é o escritório regional para as Américas da Organização Mundial da Saúde (OMS). Seu antecessor era do México e fi cou na posição por cinco anos. Nesta entrevista, concedida direto da sede da organização, em Washington (EUA), o médico sanitarista compartilha sua visão sobre alguns dos desafi os do Brasil na saúde – e o faz com ênfase no referencial de suas responsabilidades atuais.

Barbosa é um dos mais recentes ex-presidentes da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), papel desempenhado de 2015 a 2018. Antes, foi secretário de Vigilância em Saúde e, a seguir, de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde. Nos anos 80, participou da reforma sanitária que culminou com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS). Sua formação acadêmica – Universidade Federal de Pernambuco, Fiocruz, Unicamp – e os 40 anos de carreira são marcados pela dedicação à saúde pública.

Foto: divulgação

Qual é a pauta atual da OPAS com o Brasil?

A OPAS tem com o Brasil uma cooperação técnica muito intensa e diversificada, que cobre desde o apoio ao fortalecimento das respostas a doenças transmissíveis e não transmissíveis, processos de aquisição de vacinas, aprimoramento da atenção primária. É uma pauta bastante ampla, definida conforme as prioridades do Ministério da Saúde. Fazemos, por exemplo, avaliações externas de determinados programas para recomendar melhorias, treinamentos de profissionais, contratação de especialistas para consultorias específicas com determinados enfoques, visitas técnicas de brasileiros a iniciativas no exterior. É uma grande variedade de instrumentos para prestar essa cooperação. O Brasil tem uma enorme capacidade: uma rede acadêmica e de gestão fortes, um sistema descentralizado com experiência em várias áreas. É um desafio para nós responder à altura de um país com tanta fortaleza na sua área de saúde em relação ao que podemos aportar de maneira adicional. Temos, na América Latina, países com fragilidades muito maiores.

Qual a sua avaliação sobre as medidas que o Brasil tem tomado em relação ao coronavírus?

A OPAS faz o apoio e a cooperação técnica a todos os países da região, inclusive o Brasil, para que tenham uma boa preparação e resposta a qualquer emergência de saúde pública: sistema de vigilância, laboratório de referência, serviços de saúde, comunicação de risco etc. Dentro da América Latina, o Brasil é um dos países que têm uma condição melhor, ao lado de México, Chile, Argentina e outros. Mas, em qualquer sistema de vigilância, sempre há desafios a serem enfrentados, novas medidas a serem adotadas para respostas rápidas. Os serviços de saúde públicos e privados devem estar bem alertas a todas as recomendações técnicas e saber o que fazer caso cheguem viajantes que preencham os critérios divulgados pela OMS. Friso bem serviços de saúde privados porque, muitas vezes, um viajante internacional se dirige a um serviço privado, não a um serviço público. Além disso, a OPAS enviou a todos os laboratórios de referência, inclusive os três do Brasil,

o kit para confirmar ou descartar os casos suspeitos no próprio país. Também mantemos comunicação diária com os Ministérios da Saúde, passamos informações sobre o que está acontecendo em relação ao Covid-19 (nome dado à doença), número de casos novos, situação epidemiológica, novas informações técnicas e científicas sobre o manejo clínico dos casos, preparação dos serviços de saúde, normas de biossegurança etc. Prestamos todas essas informações.

Há críticas de que outras doenças transmissíveis com impacto muito maior no Brasil não recebem a mesma atenção da opinião pública, como dengue, zika, chikungunya e algumas que têm até vacina como sarampo e febre amarela. Como a OPAS vê essa dicotomia?

Estamos vivendo uma importante emergência de saúde pública internacional. É importante não ter nenhuma das duas atitudes. Primeiro, o pânico, como se fosse algo com o que o mundo não conseguirá lidar. Tem muita gente transmitindo vídeos falsos, com pessoas caindo no metrô na China, o que é absolutamente falso. Por outro lado, é importante não minimizar o que estamos vivendo. É um vírus novo, sobre o qual estamos acumulando conhecimento ainda, mas que significa uma ameaça real de gerar uma epidemia em vários países com sobrecarga do sistema de saúde, causando casos graves que irão lotar hospitais, UTIs e levarão pessoas à morte. As autoridades do Ministério da Saúde estão fazendo o que é correto: implantando todas as medidas capazes de preparar o Brasil para a eventualidade de todo o país receber casos importados e, se acontecer, agir da maneira correta para evitar que transformem em um surto dentro do país. Para isso, é preciso fazer um esforço grande. Não vejo qual é a vantagem de fazer esse tipo de comparação nesse momento. Todas as doenças são importantes: as transmissíveis e as não transmissíveis. Os Ministérios da Saúde hoje lidam com cenários complexos, que devem ser respondidos de maneira ampla. Tem que dar resposta para os casos de diabetes não detectados oportunamente, para os casos de dengue, tem que vacinar a população, mas tem que responder também a esse novo vírus, que é uma ameaça.

A circulação de fake news já é um grande desafio aos sistemas de saúde. Como a OPAS/OMS tem visto isso e o que tem feito a respeito?

O que a OMS fez em relação ao Covid-19 foram acordos com o Google e outras plataformas para que, quando as pessoas pesquisem sobre essa nova doença, as primeiras informações sejam os links oficiais da Organização Mundial da Saúde. Creio que essa é uma medida importante que pode servir para outros temas de saúde, como vacinas, por exemplo. É muito importante também que os Ministérios da Saúde mantenham informações disponíveis. É plenamente compreensível que haja uma certa ansiedade da população para saber o que está acontecendo, qual é o risco para a família e a comunidade dela. Para contrapor as notícias inverídicas, a melhor maneira é garantir que haja o acesso às verdadeiras. Divulgar informação segura, confiável, baseada em evidência científica, é a melhor maneira de se evitar a crença nas fake news.

Não vejo qual é a vantagem de fazer esse tipo de comparação nesse momento. Todas as doenças são importantes: as transmissíveis e as não transmissíveis.

Quais as principais referências entre os sistemas de saúde do mundo e que seriam aplicáveis ao Brasil? Cada país tem uma maneira de organizar os seus sistemas de saúde. Tem aqueles totalmente estatais, os baseados em asseguramento e outros mistos. Não fazemos nenhum tipo de avaliação de reputação de cada um. Os países são nossos Estados-membros na Organização. O que fazemos é prestar cooperação técnica para que eles fortaleçam seus sistemas de saúde e consigam responder bem às necessidades que se apresentam em cada país. Recomendamos o empenho em construir o acesso universal à saúde e cada país encontra seu caminho de maneira soberana. Não fazemos qualquer tipo de prescrição. Recomendamos que barreiras de acesso sejam removidas. Cada país

tem que buscar a melhor maneira de superá-las de forma que o acesso aos serviços de saúde seja garantido como um direito exercido pelas pessoas. A maneira como isso é feito em cada país tem uma diferença muito grande. O princípio geral de que saúde é um direito e que precisa ser implantado na prática é com o que trabalhamos.

A atenção primária tem um papel preponderante nesta questão do acesso?

Sim, tem um papel fundamental. A atenção primária à saúde é a estratégia adequada para se alcançar cobertura e o acesso universais à saúde. A atenção primária é compreendida não só como o primeiro nível de atendimento, mas, dentro de uma visão ampla, como um conjunto de iniciativas capaz de responder às necessidades da comunidade a que se dirige, em termos de prevenção, promoção, de forma interligada a redes de atenção, ou seja, com resolutividade e, ao não conseguir resolver um problema mais complexo, sendo a porta de entrada para facilitar o acesso aos níveis de média e alta complexidade. É essa a atenção primária de que precisamos hoje no mundo inteiro e na América Latina igualmente.

Qual é o papel da telemedicina e da tecnologia em geral na ampliação do acesso à saúde?

A telemedicina é uma ferramenta importante, junto a outros recursos do que chamamos hoje de saúde digital. São tecnologias que podem representar uma ampliação do acesso. Podem ter um papel importante para equipes de saúde que trabalham em áreas remotas para obter opiniões de especialistas em tempo hábil, por exemplo. São possibilidades de utilização que cada país está avaliando como melhor integrar. A regulamentação das plataformas está sendo objeto de debate.

Neste sentido de ampliação do acesso e também de assertividade e eficiência dos serviços de saúde, o que poderia comentar sobre o potencial da integração de dados?

Tem crescido, no mundo inteiro, a utilização dos chamados big data, tanto os grandes bancos de dados estruturados como os não estruturados, como redes sociais, para várias aplicações de saúde pública. Essa é uma área que está em constante evolução e há o interesse do setor de buscar cada vez mais a utilização desses grandes bancos de dados, tanto no fornecimento de informações que possam ser utilizadas pelos gestores de saúde como para que se empreguem de maneira mais eficaz os recursos disponíveis.

Muito se fala da evolução de custos que acompanha o avanço da própria medicina. Qual é a recomendação mais geral da OMS/OPAS sobre a avaliação e a incorporação de tecnologias?

Os países devem procurar ter um gasto adequado. Há estudos que mostram que, para subsidiar sistemas universais de saúde, os países devem investir, no mínimo, 6% do Produto Interno Bruto como gasto público em saúde. Temos problemas graves de subfinanciamento em praticamente todos os sistemas de saúde da América Latina. Também é preciso garantir as melhores práticas no sentido de arranjos assistenciais capazes de dar mais eficiência ao gasto. Cada país tem buscado, dentro da sua realidade – de acordo com o contexto local jurídico, legal, político – fazer arranjos porque essa é uma necessidade. Quando olhamos o envelhecimento da população, o aumento das doenças crônicas não transmissíveis, a possibilidade de emergências de saúde pública como essa que estamos vivendo agora e que irão continuar ocorrendo no futuro, novos medicamentos e equipamentos de custo elevadíssimo, é uma equação toda que exige uma abordagem ampla por parte dos sistemas de saúde, busca de financiamento adequado e de alternativas para maior eficiência do gasto, como a interligação de redes e compartilhamento de serviços. Todos os sistemas de saúde hoje estão preocupados em buscar esse tipo de resultado.

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