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A política e a saúde nos erros e acertos da pandemia

Grandes temas do setor ganham visibilidade no ambiente parlamentar a partir da comissão externa que auxilia o combate à Covid-19

O deputado federal Luiz Antonio Teixeira Jr., mais conhecido como Dr. Luizinho, tem sido figura proeminente do Congresso Nacional no combate ao novo coronavírus. Aos 46 anos, está há sete na política e em seu primeiro mandato parlamentar. Médico ortopedista de Nova Iguaçu (RJ), assumiu em 2013 a Secretaria de Saúde de sua cidade natal e, de 2016 a 2018, a Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro. Sua experiência em gerir recursos escassos em contexto de crise o gabaritou a ser um dos criadores e o presidente da Comissão Externa da Câmara dos Deputados destinada a acompanhar o enfrentamento à pandemia da Covid-19 no Brasil.

Nesta entrevista, o deputado faz um balanço de erros e acertos do país neste contexto inusitado em que vivemos. Luizinho acredita que o setor sairá fortalecido e com fôlego para medidas eficazes no pós-pandemia. Entre as prioridades de atuação do parlamentar, estão também a geração de empregos e investimentos em educação, pesquisa e desenvolvimento e tecnologia. A telemedicina, a desburocratização da saúde suplementar e a reforma tributária são outros temas comentados por ele como desafios inadiáveis para o avanço do país.

FOTO: PABLO VALADARES/CÂMARA DOS DEPUTADOS

VISÃO SAÚDE – Em que contexto foi criada a comissão externa que acompanha a pandemia e qual tem sido o seu papel?

LUIZ – Protocolamos o requerimento para a criação da Comissão Externa ainda sem nenhum caso de Covid-19 no Brasil. Os casos estavam restritos à Argentina, mas víamos casos aparecendo em diversos países do mundo e tínhamos certeza de que o vírus chegaria ao nosso país. A Comis- são foi criada em 11 de fevereiro para acompanhar todas as ações. Naquele momento, ainda trabalhando com a prevenção. Durante o transcorrer da pandemia, tivemos as substituições dos ministros da Saúde, viemos acompanhan- do a implantação de ações dos Ministérios e pautando, por meio de projetos de lei e propostas, mudanças para ajudar a população brasileira no enfrentamento da Covid-19.

Frente ao desafio de ter ações sinérgicas num país tão grande e heterogêneo como o nosso, acredita que a atividade da Comissão trouxe unidade e direcionamento positivo para as decisões a respeito da pandemia?

O funcionamento da Comissão foi uma das poucas inicia- tivas que tiveram continuidade no país. Pudemos apoiar o próprio Ministério da Saúde num momento de necessidade de continuidade das políticas públicas, apontar alguns erros dentro do próprio planejamento do Ministério e evidenciar dificuldades pontuais Estado a Estado. Fomos vendo que cada Estado enfrentava um problema diferente e fomos aju- dando esses polos nos Estados – como ocorreu mais recen- temente com os do Sul do Brasil – por meio das audiências públicas e até da nossa presença. Tivemos, principalmente nos Estados do Norte, uma ação fundamental para ajudar e para levar os suprimentos, orientando e auxiliando o Minis- tério da Saúde, mas também as entidades do terceiro setor sobre a maneira mais adequada de apoiar naquele momen- to. Explicamos para os deputados da Casa o porquê de al- gumas medidas essenciais. Além dos recursos, trabalhamos com leis em prol da gestão e da própria população brasileira de uma forma mais direta.

Quais foram os principais acertos do Brasil no enfrentamento da Covid-19 até aqui?

O principal acerto foi o isolamento social implementado no tempo correto em alguns Estados, embora tenha sido incorreto para outros Estados que não adotaram essa medi- da ou o fizeram precocemente. O isolamento social evitou um massacre. O segundo acerto foi a utilização obrigatória

das máscaras. A própria população, antes mesmo do Poder Público, ouviu nossos apelos pela adoção das máscaras – não vimos isso em alguns países. O auxílio emergencial também foi um grande acerto diante do tamanho da nossa população. Além de ajudar as pessoas no dia a dia, o auxílio emergencial evitou uma queda maior da nossa economia e evitou pessoas com maior vulnerabilidade passando fome.

E os principais erros nesse enfrentamento?

Os principais erros foram a falta de planejamento do Minis- tério da Saúde, que não conseguiu mostrar que essa pan- demia aconteceria de forma diferenciada temporalmente nos Estados e municípios. Alguns Estados não iniciaram o isolamento no tempo certo, outros o fizeram muito preco- cemente e, agora que é necessário, não estão conseguindo implementar. Os Estados foram tratados de forma padro- nizada no início da pandemia, sem olhar para aqueles que estavam com maior número de casos e/ou precisavam de mais recursos, testes, equipamentos de proteção individual e aparelhos para uso em terapia intensiva. Outro erro foi não ter considerado, a partir de janeiro, o fornecimento de EPIs e de respiradores e não ter ajudado a trabalhar a pro- dução nacional. Ficamos focados em comprar da China – o que acabou não acontecendo – e isso atrasou todas as nos- sas compras e programações. De alguma maneira, diversos gestores tomaram decisões erradas com falta de estimativas de leitos, montando hospitais de campanha e comprando respiradores por preços absurdos. Tirando a má intenção, alguns foram induzidos ao erro. Essa falta de dimensiona- mento do tamanho da pandemia e que aconteceria Estado a Estado em tempos diferentes levou a muitos erros de ges- tão que, infelizmente, acabam se traduzindo em perda de vidas. Além disso, erramos ao entender que só poderíamos tratar esse paciente quando ele precisasse de um leito de terapia intensiva; ao não fazer um diagnóstico precoce e oferecer um cuidado antes que ele evoluísse para uma in- ternação – ou mesmo optando por uma internação preco- ce. Hoje vemos que a internação precoce, com oxigeniote- rapia, anticoagulação e corticoide poderia evitar de alguns pacientes terem seus quadros agravados.

A politização de alguns assuntos técnicos e científicos prejudicou a tomada de decisão no país em alguns momentos?

A politização é sempre um problema na saúde, que é uma área que não deve ter interferência política. A saúde deve

ser sempre técnica e nunca política. Prejudicou muito a condução da pandemia. No momento em que se começou a acreditar que medicamentos e números estavam atrelados a algum componente ideológico, isso atrapalhou muito o enfrentamento. Mas isso está acontecendo no Brasil e em muitos lugares do mundo. Então, sempre é difícil.

Quais os principais projetos de lei em andamento originados no contexto da pandemia que têm potencial de trazer avanços para a saúde no Brasil de maneira perene?

Conseguimos aprovar alguns projetos importantes. Um deles facilita a importação de materiais, medicamentos e insumos em geral que tenham sido já validados nas agên- cias regulatórias americana, europeia, chinesa ou japonesa e em utilização nesses mercados para que possam ser apro- vados pela Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitá- ria] em até 72 horas. Temos também projetos importantes como desvinculação de recursos que estavam parados nas secretarias. O próprio projeto que liberou a telemedicina, no momento da pandemia, pode ser aprimorado e utilizado como um instrumento válido. Temos um outro projeto de fortalecimento das Santas Casas e entidades filantrópicas e o do auxílio emergencial, que mostrou que temos um número muito maior de pessoas em vulnerabilidade social do que se imaginava. Vimos que quase 50 milhões de pes- soas se cadastraram, independentemente das situações de fraude, para receber o auxílio emergencial. Isso mostra que o país precisa de um avanço muito maior. Temos alguns projetos em pauta ainda que são a criação da carteira de va- cinação online, o estabelecimento de empresas estratégicas de saúde para que o nosso parque industrial se desenvol- va, buscando a soberania principalmente nos insumos da saúde. Não é possível dependermos de máscaras, luvas e alguns medicamentos básicos produzidos na China. Isso é inadmissível para um país como o Brasil, que tem um mer- cado do tamanho do nosso. Estamos vendo que precisamos ampliar o livre mercado para gerar empregabilidade e aces- so à saúde para mais pessoas. Vimos um Sistema Único de Saúde muito forte e a importância do sistema suplementar também para atuar e apoiar num momento tão difícil como está sendo esse da pandemia.

Uma maior interação entre o sistema público e o privado é uma necessidade para o país?

O Brasil precisa avançar para um sistema nacional de saúde, dividido entre saúde pública e saúde suplementar. Os dois deveriam trabalhar com melhor hierarquização dos procedimentos para gerar economicidade e bons resulta- dos. Também trabalhar em conjunto na formação de mão de obra especializada, principalmente o fortalecimento das residências médicas e multiprofissionais para termos profis- sionais de qualidade na ponta. Um tratamento inadequado, além do desfecho clínico péssimo para o paciente, tem um impacto muito grande no sistema de saúde. Hierarquização dos procedimentos, investimento na qualificação profissio- nal e um avanço no processo de informatização e facilita- ção para o acesso aos serviços devem ser a base para o nosso pós-pandemia. Os sistemas têm que trabalhar integrados para otimizar recursos. Somos o único país do mundo com um sistema público muito forte e um sistema privado tam- bém muito forte. Ninguém tem essa condição. Temos que somar essas forças, e não dividi-las.

Os principais erros foram na falta de planejamento do Ministério da Saúde. Alguns Estados não iniciaram o isolamento no tempo certo, outros o fizeram muito precocemente e, agora que é necessário, não estão conseguindo implementar.

Acredita que a saúde no Brasil sairá fortalecida depois da pandemia?

A saúde sairá fortalecida no Brasil e no mundo porque era sempre colocada na coluna de despesa, enquanto a saúde é investimento. Não existe investimento maior para o ser hu- mano do que cuidar de si próprio, da sua saúde ou da saúde do seu familiar. Acredito que as pessoas irão entender, no pós-pandemia, que a saúde é da coluna investimento. Sem saúde não se faz nada. A falta da saúde e o risco de ex- posição das pessoas ao novo coronavírus fizeram com que a economia mundial parasse. É a maior crise da história. Então, está provado que é preciso levar a saúde a sério. A saúde precisa de investimentos e de olhar diferenciado. Os governos, principalmente no nosso país, precisam manter a qualidade, o investimento na saúde pública e desburocra- tizar a saúde suplementar para dar mais acesso às pessoas que queiram entrar no sistema de saúde suplementar. Isso irá gerar mais empregos e desonerar o sistema público de saúde. Precisamos tirar as amarras que impedem a saúde suplementar, que durante décadas cresceu no Brasil e, infe- lizmente, nos últimos anos teve uma queda.

E a política sairá fortalecida da pandemia?

Acredito que a política sairá enfraquecida. O Congresso Nacional sairá fortalecido porque nós, deputados e sena- dores, demos uma grande demonstração ao país de origi- nalidade nos projetos de lei, no orçamento de guerra, no auxílio emergencial, as leis que ajudaram a gerar recursos para o enfrentamento à Covid-19 no Brasil como um todo, as leis que ajudaram a gerar financiamento para as micro e pequenas empresas. Mas, infelizmente, a política sai de alguma maneira enfraquecida porque parece haver uma certa incapacidade entre os Poderes de trabalhar de forma harmônica, como em outros países também. A pandemia não gerou uma união entre os agentes do Poder Executivo. Em um momento de pandemia tão grave, os heróis são os profissionais de saúde; nunca será a classe política. Uma si- tuação tão complexa e tão nova certamente levaria a erros e acertos. Os agentes políticos, por mais que acertem, sempre ficarão vulneráveis porque é um vírus de grande circulação, uma doença grave, que acarreta perda de vidas. Toda vida perdida fica, de alguma maneira, como uma certa sensação de impotência do poder público.

Qual deve ser o papel do Congresso na retomada das atividades e no estabelecimento de um “novo normal”? O Congresso Nacional tem um papel como legislador de agir como ouvinte das vozes da sociedade civil para transformar a legislação e adaptá-la a esse “novo nor- mal”. Temos um esforço máximo para dar as condições ao país de retomada das atividades. Essas medidas que citamos foram essenciais e precisamos continuar e evo- luir. O auxílio emergencial, por exemplo, impediu uma queda do PIB [Produto Interno Bruto] muito mais acen- tuada. O Congresso Nacional tem um papel de indutor de políticas públicas. Precisamos dos agentes que atuam na transformação, que são os governos responsáveis pe- los gastos públicos. Precisamos também que as institui- ções financeiras ajudem na alavancagem desse país, com ampliação do crédito para as empresas.

Vínhamos de uma séria crise econômica, agravada certamente pela pandemia, e tivemos também o acirramento das desigualdades sociais em evidência. Quais serão os principais temas a serem trabalhados com prioridade pelo Congresso no pós-pandemia?

Um deles é o que acabamos de votar na Câmara e irá para o Senado: o do Fundeb, que é a ampliação do in- vestimento na educação básica. Se não enxergarmos que a saída do país é o fortalecimento da educação, não mudaremos nunca o Brasil. As pessoas precisam ter um nível de educação melhor para ocupar melhores em- pregos e mudar a sua condição de vida. Estamos vendo também a necessidade de ampliar o nosso investimento em pesquisa e desenvolvimento. No mundo moderno, a tecnologia tem um papel fundamental. Temos um setor agro muito forte, muito importante para a nossa sobe- rania, mas, se o Brasil não fizer um investimento gran- de em pesquisa e desenvolvimento em outras áreas, seremos uma nação a reboque da tecnologia mundial. Eu me pergunto o que falta, por exemplo, para termos acesso à internet em todas as escolas e unidades de saú- de. Precisamos avançar para oferecer um futuro às no- vas gerações de brasileiros.

A reforma tributária seria um desses temas prioritários?

Sim. O sistema tributário pune quem trabalha. Precisa- mos de uma mudança urgente para estimular o emprego. Não podemos punir quem emprega muito. É necessário um sistema mais justo porque a carga tributária hoje su- foca qualquer investimento privado no Brasil. Toda crise é uma oportunidade, mas não sei se a nossa classe di- rigente tem maturidade para entender que precisamos fazer uma reforma tributária profunda. Será necessário um trabalho enorme porque é sempre mais difícil con- vencer aqueles com maior concentração de renda que a reforma tributária precisa ajudar na justiça social.

Qual o maior legado que está sendo construído pela sociedade brasileira no combate à Covid-19? Um grande legado é a união das famílias. Outro grande ensinamento é sobre a importância da tecnologia no dia a dia das pessoas. Fica também uma marca enorme de solidariedade em nosso país. Nunca vi tantas pessoas envolvidas em projetos sociais ou em alguma forma de ajudar os mais vulneráveis como nessa pandemia. Mui- tas empresas, inclusive, entendendo a necessidade de exercer a sua responsabilidade social.

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