Setor de saúde suplementar enfrenta desafios, busca diálogo e soluções inovadoras e sustentáveis, e mantém foco na preocupação com o beneficiário
Diariamente, os planos de saúde autorizam e oferecem cobertura para 3 milhões de exames laboratoriais e de imagem, 25 mil internações hospitalares, 10 mil cirurgias e 4,3 mil sessões de quimioterapia. Os números do Mapa Assistencial da ANS (2022) não só demonstram a magnitude do setor de saúde suplementar, mas também a responsabilidade que ele carrega.
O setor que atendeu plenamente seus beneficiários durante a pandemia e passou pela concentração e aumento abrupto das eletivas, que contribuiu em uma crise financeira, hoje luta contra o volume crescente das fraudes e desperdícios, além da judicialização indevida da saúde, e luta também para mostrar o seu reconhecido valor, atestado por tantas pesquisas de opinião de diferentes e respeitados órgãos.
Por outro lado, o diálogo sobre a proteção aos mais de 50 milhões de brasileiros tem conquistado espaço com o propósito de ampliar a conscientização de seu uso e desafios.
Segundo Renato Casarotti, presidente da Abramge, o setor enfrenta uma crise complexa, que abrange desde o impacto financeiro até a necessidade de incorporar tecnologias inovadoras de forma sustentável.
A crise financeira, agravada pela pandemia, trouxe um aumento significativo nos gastos, contrapondo-se à queda nas receitas. Casarotti destaca a urgência em abordar essas questões financeiras para garantir a eficácia e continuidade do sistema. “Já caminhamos para o terceiro ano de prejuízos operacionais significativos”, afirma.
Mudanças demográficas, como o envelhecimento da população e o aumento de tratamentos para o espectro autista, exigem adaptações nos serviços de saúde. Essa evolução, segundo ele, requer planos e estruturas que acompanhem as novas demandas sociais.
Fraudes e desperdícios também preocupam o setor, representando um impacto financeiro significativo. “É um número bastante significativo, algo como R$ 34 bilhões entre fraudes e desperdícios. Esses desafios não apenas afetam a eficiência do sistema, mas também prejudicam a previsibilidade e a organização do cuidado de saúde”, diz.
Fato é que a magnitude do setor não pode ser anulada diante das dificuldades e desafios. Por isso, um outro olhar para a saúde suplementar precisa ser estimulado. Uma prova disso foi a organização do seminário “Saúde Suplementar: Acesso e Sustentabilidade”, promovido em comunhão entre a Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) e o Estúdio Folha, em São Paulo, que reuniu especialistas e líderes do setor para discutir essas mudanças e buscar soluções inovadoras durante.
Um sistema de todos para todos
Para Casarotti, a comunicação e a educação sobre planos de saúde tornam-se fundamentais para a compreensão pública sobre o sistema.
No momento em que se discute a necessidade de ser proativo, superando uma postura defensiva, é essencial destacar a importância vital deste setor. Inspirando-se no movimento agropecuário brasileiro, conhecido por seu crescimento sustentável e colaborativo, o setor de saúde busca uma abordagem semelhante, com a iniciativa Todos por Todos com Muita Saúde, da Abramge.
“Este movimento é uma iniciativa vital para fortalecer a construção coletiva de um sistema de saúde suplementar que beneficia toda a sociedade brasileira”, afirma Marcos Novais, superintendente executivo da Abramge.
Para Novais, é crucial considerar o impacto das decisões no acesso à saúde pública. As escolhas feitas hoje afetam não apenas a situação atual, mas também o futuro da saúde no Brasil. Nesse contexto, as estatísticas do sistema de saúde privado do País são impressionantes, revelando o vasto número de pessoas cobertas e os procedimentos realizados.
Outro ponto importante é o modelo de saúde coletiva adotado no Brasil, no qual uma minoria utiliza uma grande parte dos recursos. Entender e sustentar esse modelo é crucial para garantir acesso equitativo à saúde. “Muitos não sabem, mas os planos se financiam pela coletividade entre as pessoas. A percepção de valor dele vai vir pela segurança que ele tem de ter acesso a serviços privados de saúde quando necessário for”, aponta o superintendente sda Abramge.
Sendo assim, o movimento #TodosPorTodos visa fortalecer a construção coletiva de um sistema suplementar de saúde em benefício da sociedade brasileira. Ele destaca a importância dos planos de saúde, que são financiados coletivamente pelos membros. Isso significa que o que cada pessoa paga contribui para a assistência médica de todos no plano.
O conceito de coletividade é essencial para entender como os planos funcionam: todos contribuem mensalmente para criar uma reserva de recursos, usada para cobrir necessidades de saúde dos participantes. O movimento busca justamente informar e esclarecer equívocos sobre os planos de saúde, destacando a importância do bem-estar e da saúde coletiva.
A importância crescente da ATS
A Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS) tem se consolidado como uma ciência fundamental para o desenvolvimento e aprimoramento do setor de saúde. Desde o seu surgimento após a Segunda Guerra Mundial, a ATS tem desempenhado um papel crucial na qualificação do acesso e na sustentabilidade do sistema de saúde. O avanço extraordinário da ciência, especialmente na saúde, tem um impacto significativo na qualidade e na expectativa de vida das pessoas.
Cassio Ide Alves, superintendente médico da Abramge, enfatiza a necessidade de integrar novas tecnologias de maneira sustentável no sistema de saúde. “Temos o privilégio de viver em uma era que a gente tem um desenvolvimento extraordinário da ciência inclusive na área da saúde. Porém, traz um grande desafio principalmente para os gestores o desafio de escolher entre todas essas tecnologias quais delas realmente agregam valor à saúde?”, reflete.
Paralelamente, Vanessa Teich, diretora de Economia da Saúde do Hospital Albert Einstein, discute o desafio de selecionar tecnologias de saúde que agregam valor real, atendendo às necessidades dos pacientes e profissionais de saúde, enquanto equilibram inovação com custo-efetividade.
Já Alexandre Fioranelli, diretor de Normas e Habilitação dos Produtos (DIPRO) da ANS, destaca o papel fundamental da ATS em orientar escolhas científicas e econômicas no setor de saúde. A ATS permite aos gestores fazerem escolhas mais informadas e baseadas em evidências científicas.
“O melhor nível de evidência científica é aquele que fica no ápice da pirâmide de evidência científica, ou seja, que tem a maior força de recomendação e que temos a maior garantia do ponto de vista de trabalhos científicos avaliados”, analisa.
Além disso, a atualização do rol de procedimentos e a ampla participação social nesse processo são aspectos salientados por Alves, reforçando a democracia e inclusão no sistema de saúde.
No entanto, a ATS enfrenta diversos desafios. Vanessa aborda as dificuldades relacionadas ao tempo e às discussões sobre preços, enfatizando a necessidade de processos mais ágeis e transparentes.
A segurança das tecnologias de saúde, sustentada por evidências científicas e análises críticas, é outro aspecto crucial mencionado por Fioranelli. Os aspectos econômico-financeiros na avaliação de tecnologias também são um ponto de atenção. Alves discute como as tecnologias são avaliadas em termos de custo-efetividade e impacto orçamentário, destacando a importância de análises financeiras cuidadosas.
A diretora do Hospital Albert Einstein e Fioranelli ressaltam os desafios legislativos e a necessidade de avaliar a capacidade instalada para a saúde suplementar, bem como a importância do monitoramento das incorporações e do uso adequado das tecnologias.
Alves também chama a atenção para a necessidade de educar a sociedade sobre o processo de incorporação de tecnologias na saúde suplementar. Já Vanessa aponta a dificuldade em definir prioridades de saúde e como a ATS pode auxiliar nesse processo.
“A ATS não define as prioridades de saúde do país e nem do sistema suplementar. Então, quando eu me deparar com uma situação em que eu tenho ‘n tecnologias’ disponíveis para incorporação com diferentes benefícios trazidos para os pacientes’, para diferentes condições clínicas, temos que priorizar quais que vão ser incorporadas e quais não serão incorporadas, quem vai ‘resolver’ isso é a definição das prioridades de saúde de um sistema ou de um país. E isso a gente tem muita dificuldade de fazer’, diz.
Finalmente, Alves fala sobre os desafios específicos da ATS na saúde suplementar, incluindo a falta de um limiar claro de custo-efetividade. Essas discussões destacam a importância da ATS como uma ferramenta vital para a melhoria contínua do acesso e da sustentabilidade no setor de saúde, oferecendo uma base sólida para futuras discussões e desenvolvimentos na área.
MOVIMENTO PELO ACESSO
O movimento #TodosporTodos com Muita Saúde foi lançado em março de 2023 com o objetivo de educar a sociedade sobre o sistema de saúde suplementar, mostrando o seu funcionamento. Ele representou também uma união de todos os setores (operadoras, planos, hospitais, profissionais de saúde e beneficiários dos planos). “É um desejo das operadoras associadas e da diretoria da Abramge de longa data de que fôssemos mais proativos no sentido de mostrar esse setor e o quão importante ele é”, diz Marcos Novais,
superintendente executivo da Associação.
“Nosso movimento mostra a coletividade. São todos por todos”. No final de 2023, o movimento conquistou o Prêmio Silver Award no AMEC 2023, uma das principais entidades de comunicação no mundo. Atualmente, mais de 20 influenciadores encamparam o movimento, entre eles a apresentadora Fatima Bernardes e o ator Ary Fontoura. “Começamos a pensar em como o movimento se transforma e como seguirá daqui em diante”, acrescenta Novais sobre o novo estágio do movimento.
A judicialização: perspectivas e soluções
A judicialização indevida na saúde suplementar está se tornando uma preocupação cada vez maior no Brasil, pois impacta significativamente a dinâmica do setor de assistência médica. Ana Bertani, superintendente jurídica da Abramge, destaca esse aumento, apontando para um cenário preocupante. “Estamos em um ciclo vicioso. Por um lado, vemos um aumento nos comportamentos oportunistas, onde as partes exploram as brechas do sistema para obter vantagens indevidas. Por outro, o sistema judicial fica sobrecarregado com o volume crescente de casos relacionados à saúde suplementar.”
Nathalia Pompeu, diretora executiva do Grupo Hapvida NotreDame Intermédica, concentrou-se na prevenção desta judicialização e na importância da conscientização. “Nossa estratégia deve ser proativa. Isso inclui a criação de delegacias especializadas em fraudes de saúde e ações judiciais assertivas para combater esses abusos. Precisamos penalizar efetivamente os responsáveis para manter a integridade do sistema”.
Rodrigo Mafra, gerente de Negócios da Sermed Saúde, trouxe à tona os desafios enfrentados pelas operadoras médias e pequenas. “A judicialização indevida tem um impacto significativo na sustentabilidade das operadoras. Isso não se limita apenas aos custos operacionais elevados, mas também à qualidade do serviço oferecido aos beneficiários. É um desafio constante que requer uma abordagem multifacetada.”
As soluções propostas pelos palestrantes incluem uma aplicação mais eficaz da lei específica relacionada à saúde suplementar e o uso de pareceres técnicos independentes nas decisões judiciais. Além disso, eles destacaram a importância de criar um ambiente mais colaborativo entre o Judiciário, as operadoras e os beneficiários. “A chave está no diálogo e na inovação. Somente assim seremos capazes de superar os desafios da judicialização na saúde suplementar”, afirma Ana Bertani.
Desafios e estratégias no combate a fraudes e desperdícios
A luta persistente contra fraudes e desperdícios continua a marcar o setor da saúde suplementar no Brasil. Em 2022, os prejuízos causados por esses problemas atingiram cifras alarmantes, variando entre R$ 30 bilhões e 34 bilhões. Esse cenário desafiador se insere em um contexto mais amplo de obstáculos enfrentados pelo setor.
Luiz Celso, presidente do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), destaca a magnitude do problema, enfatizando o impacto cultural da fraude. “A fraude existe em todos os países com regimes de saúde, público ou privado”, afirma, apontando a tolerância cultural brasileira à fraude e a importância de campanhas de conscientização. Ele ressaltou que, embora a fraude seja um problema significativo, não é o único desafio do setor.
Nuno Vieira, sócio de Serviços Financeiros na EY, por sua vez, compartilha insights do estudo realizado pelo IESS, ressaltando a complexidade da fraude e do desperdício. “Por vezes, a fronteira entre fraude e desperdício é ténue”, mencionou. Ele também apontou para a necessidade de entender o perfil do fraudador e as tipologias de fraude. “É necessário para haver fraude: motivação, capacidade, disposição ao risco e oportunidades”, explica.
Para Jorge Oliveira, presidente do Grupo Promédica, as nuances entre fraude e desperdício possuem interseções significativas. Ele enfatiza a necessidade de união para combater esses problemas no sistema de saúde. “Existem coisas muito vis no nosso sistema que precisamos combater”, disse Oliveira, ao destacar a importância da conscientização e da tecnologia no combate à fraude.
Entre as soluções, Vieira destaca a eficácia das abordagens adotadas em países como Estados Unidos e França, onde leis e medidas de fiscalização mais rigorosas têm sido aplicadas no combate à fraude na saúde. Ele enfatizou a existência de um conjunto de boas práticas globalmente reconhecidas para lidar com esses desafios.
Oliveira sublinhou a necessidade de uma abordagem proativa para resolver esses problemas e ressaltou a importância da conscientização, da inovação tecnológica e de uma legislação mais efetiva: “A fraude e o desperdício têm linhas tênues, e sem combater isso, teremos uma saúde suplementar cada vez mais cara e menos inclusiva.”
Uma perspectiva integrada
No cenário atual do Brasil, a saúde suplementar se destaca como um elemento crucial no atendimento às necessidades de saúde da população. A cobertura dessa modalidade, contudo, revela uma distribuição desigual entre diferentes regiões, uma realidade discutida por importantes vozes do setor.
“As recentes incorporações visam ampliar a cobertura, mas ainda enfrentamos o desafio de distribuir de forma mais equitativa os benefícios”, enfatiza Lenise Secchin, secretária executiva da ANS.
Esse cenário é agravado pela desigualdade na acessibilidade aos planos de saúde. “As regiões mais desenvolvidas têm maior acesso, enquanto áreas menos favorecidas ficam à margem”, observa Gustavo Ribeiro, vice-presidente do Grupo Hapvida NotreDame Intermédica, sobre a discrepância que contribui significativamente para a desigualdade em saúde no país.
Além disso, a questão do custo e sustentabilidade do sistema é um tópico crucial. “O alto custo dos planos desafia a sustentabilidade financeira do sistema, exigindo revisões e ajustes constantes”, argumenta Sérgio Vieira, diretor do Sinamge e presidente da Abramge RJ/ES.
A discussão se estende às principais causas de mortalidade no Brasil, como doenças cardiovasculares e câncer. Lenise Secchin ressalta a importância da prevenção: “Investir em prevenção é essencial para reduzir essas estatísticas alarmantes.”
Quanto às propostas de melhoria, surge a ideia de um aplicativo de saúde, além do papel fundamental da ANS na regulação e promoção da saúde. “A tecnologia pode ser uma aliada na melhoria do sistema, e a ANS tem um papel vital nessa transformação”, destaca Ribeiro.
A importância da participação social e da transparência na gestão do sistema de saúde suplementar também é enfatizada. “A transparência e a participação social são fundamentais para a legitimidade e eficácia do sistema”, aponta Vieira.
A interdependência entre o sistema público de saúde (SUS) e o sistema de saúde suplementar é outro ponto chave. “Esses sistemas não são isolados; eles se complementam e devem trabalhar juntos para o bem-estar da população”, comenta Lenise.
Os desafios legislativos e judiciários relacionados à saúde suplementar são abordados. “Necessitamos de um ambiente legislativo e judiciário que compreenda as especificidades da saúde suplementar para promover um sistema mais justo e eficiente”, diz Ribeiro.
Essas perspectivas coletivas oferecem um panorama detalhado dos desafios e oportunidades no setor da saúde suplementar no Brasil, destacando a importância de uma abordagem integrada e inclusiva para melhorar a saúde e o bem-estar da população.